CATEQUESES QUARESMAIS
Catequeses de Quaresma - 3 Setúbal, 2016
O Samaritano Misericordioso
(Lc 10,25-37)
Do Evangelho do Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
25 Um doutor da Lei e perguntou a Jesus, para o experimentar:
«Mestre, que hei de fazer para possuir a vida eterna?»
26Disse-lhe Jesus: «Que está escrito na Lei? Como lês?»
27O outro respondeu: «Amarás ao Senhor, teu Deus,
com todo o teu coração, com toda a tua alma,
com todas as tuas forças e com todo o teu entendimento,
e ao teu próximo como a ti mesmo.»
28Disse-lhe Jesus: «Respondeste bem; faz isso e viverás.»
29Mas ele, querendo justificar a pergunta feita, disse a Jesus:
«E quem é o meu próximo?»
30Tomando a palavra, Jesus respondeu:
«Um homem descia de Jerusalém para Jericó
e caiu nas mãos dos salteadores que,
depois de o despojarem e encherem de pancadas,
o abandonaram, deixando-o meio morto.
31Por coincidência, descia por aquele caminho um sacerdote
que, ao vê-lo, passou do outro lado.
32Do mesmo modo, também um levita passou por aquele lugar
e, ao vê-lo, passou do outro lado.
33Mas um samaritano, que ia de viagem,
chegou ao pé dele e, vendo-o, encheu-se de compaixão.
34Aproximou-se, ligou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho,
colocou-o sobre a sua própria montada,
levou-o para uma estalagem e cuidou dele.
35No dia seguinte, tirando dois denários, deu-os ao estalajadeiro, dizendo:
‘Trata bem dele e, o que gastares a mais, pagar-to-ei quando voltar.’
36 Qual destes três te parece ter sido o próximo daquele homem
que caiu nas mãos dos salteadores?»
37Respondeu: «O que usou de misericórdia para com ele.»
Jesus retorquiu: «Vai e faz tu também o mesmo.»
Palavra da salvação.
Introdução
Nesta terceira
reflexão de quaresma, continuamos a centrar a nossa atenção na revelação do
Coração misericordioso de Deus em Jesus de Nazaré, na sua palavra e nos seus
gestos. No domingo passado fixámos o olhar na figura do Pai misericordioso, que
nunca se conforma com a perda de um só dos seus filhos/as e faz festa cada vez
que um deles regressa a casa. Com esta parábola, Jesus convidava-nos a entender
que, para aliviar os males e curar as feridas causadas pelo afastamento, pela
ilusão, a insensatez e a maldade, é necessário que os outros membros da família
social, eclesial e humana se unam ao acolhimento e à alegria do Pai. É necessário
que além do pai, também os outros irmãos e irmãs sejam capazes de acolher e
fazer festas com aqueles que foram vítimas de si próprios ou de outrem.
Hoje, tomamos
como centro da nossa meditação uma outra parábola de Jesus – a parábola do
samaritano misericordioso (Lc 10,25-37) – que nos fala precisamente do modo
como a misericórdia de Deus continua a transformar o mundo por obra daquelas
pessoas que são tocadas pelo amor de Deus e se tornam, também elas,
misericordiosas para com todos os que precisam de atenção, de ajuda, de
carinho.
Neste
domingo, no qual se conclui a semana de apoio à Caritas, esta parábola, de um
perfil eminentemente prático, soa como apelo a dar frutos de misericórdia, de
solidariedade e de proximidade para com aqueles que as circunstâncias da vida
deixaram à beira da estrada.
1. Para entender a parábola
No
Evangelho de S. Lucas, que, mais do que os outros Evangelhos, realça a
misericórdia de Jesus para com os pobres, os pecadores e os infelizes de toda a
espécie, esta parábola insere-se num contexto de tensão com os ambientes religiosos
do tempo. Deste confronto, vai emergindo um novo perfil do discípulo, no seu
relacionamento com Deus e com as outras pessoas.
É nesse contexto
de tensão e desafio que se aproxima de Jesus um dos mestres da lei e
lhe coloca uma questão "para o pôr à prova",
perguntando "o que é necessário para herdar a vida
eterna". A questão não soa, de facto, como um honesto pedido de esclarecimento,
mas como pretexto para uma discussão teórica sobre questões religiosas, onde
estes mestres se sentiam à vontade e onde poderiam contestar Jesus. Do seu
lado, Jesus não está interessado em entrar em discussões estéreis e conduz o
diálogo para um ponto em que ambos se encontram de acordo: O amor a Deus e ao
amor do próximo sintetiza o comportamento correto do crente. É esse o caminho
para a vida eterna.
O mestre da
lei, "querendo justificar a primeira pergunta",
insiste ainda na mesma linha de discussão académica, pretendendo de Jesus uma
posição sobre quem entra na categoria de "próximo": "quem é o meu próximo?". Esta segunda
pergunta constitui a base de compreensão da parábola. No tempo de Jesus, de facto,
faziam-se muitas discussões sobre a forma de olhar os outros, do ponto de vista
familiar, social e religioso: irmãos (de família, origem ou religião),
estrangeiros, ou inimigos. Neste contexto, quem é o objeto deste mandamento
fundamental de amar o próximo? Até que categoria se estende o mandamento do
amor?
Jesus continua
a não manifestar interesse por este tipo de discussões sobre religião e
salvação. Às duas perguntas do mestre da lei, responde, pois, com duas
perguntas diretas. À primeira questão, sobre o caminho da Vida –
"que hei de
fazer para herdar a vida eterna?" – Jesus responde perguntando, por
sua vez sobre aquilo que diz a Palavra de Deus, pois é ela que indica o caminho
da Vida. O letrado tem uma resposta pronta e correta, com a qual Jesus concorda
plenamente. O caminho da vida consiste em amar a Deus e ao próximo: "Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com
toda a tua alma, com todas as tuas forças e com todo o teu entendimento, e ao
teu próximo como a ti mesmo". A parábola parte desta compreensão
unânime, na tradição de Israel, na qual Jesus se insere. O amor é o resumo e o
centro de qualquer opção religiosa.
A segunda
pergunta coloca a questão da abrangência do amor e é ela que
dá o mote à parábola. Até onde se estende o mandamento do amor? Nos Evangelhos,
Jesus trata várias vezes deste tema, com expressões muito claras sobre a abrangência
e a intensidade do amor: "Se amais apenas aqueles
que vos amam, que recompensa tereis?" (Mt 5,46); "Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei. Ninguém tem
maior amor, do aquele que dá a vida por aqueles que ama" (Jo 15,12s).
A parábola é realmente uma resposta aberta à questão dos limites do amor, mas
não traça a fronteira até onde tem de chegar. Apresenta um exemplo desafiador,
deixando que cada ouvinte ou leitor encontre, no próprio coração, à luz da
palavra de Deus, a identificação do seu "próximo": "Vai e faz tu também o mesmo". Deste modo,
Jesus pretende guiar-nos da discussão para a vida, estabelecendo uma chave de
leitura dos acontecimentos e de empenhamento concreto na transformação do
mundo.
É a esta
luz que vamos percorrer a parábola, aceitando o desafio de que ela nos propõe.
2. Um homem à beira da estrada
A parábola
começa com a apresentação de "um homem", vítima da
violência, ferido, incapaz de sair sozinho da situação em que se encontra, pois foi abandonado "meio morto". Não tem nome nem rosto e não se
dá nenhum detalhe da sua origem, condição social ou credo. O que é posto em
evidência é apenas a sua carência, a sua incapacidade e o perigo de morte. Esta
falta de individualização é o primeiro traço da resposta à questão do mestre da
lei. O critério fundamental para determinar quem é o próximo, em termos de atenção
e de ação, não provém de nenhuma lei, de nenhum raciocínio moral ou religioso,
mas da situação da pessoa. Particularmente as situações de dor, de injustiça,
de perda de dignidade e de abandono constituem pontos particulares a pedir
atenção, interesse e carinho.
Este
homem ficou sem os seus "próximos" naturais, se é que os
tinha: familiares, amigos, conhecidos ou protetores… serviços de emergência, sindicato,
proteção civil, polícia… É um homem só, que não tem quem lhe estenda a mão,
quem grite por ele, quem defenda os seus direitos e a sua dignidade. Esta é a
situação em que se encontram tantas pessoas, para não falar de grupos humanos,
cidades e países inteiros, vítimas de injustiças, de guerras, de catástrofes
naturais. Basta abrir os olhos à nossa volta para encontrar pessoas
fragilizadas, talvez mesmo nas nossas casas, nas ruas das nossas cidades, nos
hospitais, casas de recuperação ou prisões.
No contexto
da parábola, o homem à beira da estrada passa para o centro.
As perguntas do letrado versavam sobre o que fazer para herdar a vida eterna e
sobre a abrangência do "próximo". Está interessado na sua própria
situação e no seu futuro. A parábola dirige a sua atenção para fora dele, para
o homem ferido e abandonado, que surge no caminho da resposta às perguntas do
doutor. Na parábola, Jesus não faz grandes discursos teológicos, mas deixa
perguntas e indicações. Este homem concreto e desconhecido, ferido e meio
morto, tem de ser visto e considerado em relação com o que entendemos como
"próximo" e com a "vida eterna". Estes não podem ser
assuntos distintos, separados. Não se pode abstrair desta realidade que salta à
vista: à beira da estrada da vida, há um homem, caído, ferido, meio morto. Há
milhões deles… e isso diz-nos respeito e requer uma atitude concreta.
Além disso,
hoje, a questão do "próximo" apresenta-se de um modo novo.
Basta abrir as nossas televisões, para que os problemas longínquos se tornem
próximos, não só pela imediatez das imagens que dão conta dos dramas de todo o
mundo, mas também pelas consequências globais que eles podem ter e igualmente pelas
possibilidades de encontrar respostas, também a nível global. Ninguém pode
dizer que não viu e que não sabia. Todos "Vemos,
ouvimos e lemos, não podemos ignorar", como dizia uma nossa poetisa.
Estas pessoas à beira da estrada dificilmente conseguem levar a vida sozinhas. Mesmo
sem proferir palavra, fazem apelo a alguém que tenha coração,
a alguém que seja o seu próximo, independentemente da distância a que se
encontre, da sua raça, nacionalidade ou credo.
3. Fechar ou abrir os olhos
Esse homem
sem nome nem rosto, é a imagem do sofrimento, dos problemas, da dor e da
injustiça que estão por toda a parte. Estes não são simples
estatísticas ou conceitos, mas pessoas que sofrem. Vamos ao encontro
deles abrindo os olhos e o coração, ou vamos encontrar desvios e desculpas para
manter indisturbado o nosso percurso individual, a nossa agenda privada, a
nossa salvação individual? Entramos na lógica do "salve-se quem puder e
lixem-se os outros", ou encontramos salva-vidas para todos?
O sacerdote
e o levita viram e passaram "do outro lado" da estrada.
Não se dá nenhuma razão para o facto, mas, no contexto da parábola, estas
figuras assumem um perfil muito específico. Sacerdotes e levitas são aqueles
que estão especialmente ligados ao serviço religioso no templo. Teria sido por
medo de serem atacados também eles, pela pressa de chegar e fazer qualquer
coisas urgente, simplesmente por comodismo?... Pode ser qualquer destas razões
e possivelmente válida, mas o que a parábola sublinha é que eram pessoas
ligadas ao culto, ao serviço de Deus e, no entanto, não tiveram coração para
com o homem caído à beira da estrada, apesar de terem visto a sua situação.
Sem
comentários explícitos, esta dicotomia entre um comportamento religioso
público e a situação do homem sofredor encontra-se nos antípodas da
figura do samaritano que Jesus propõe. Bem na linha do discurso dos profetas,
Jesus denuncia o escândalo de qualquer sistema religioso instalado e
institucionalizado, que pretenda ser agradável a Deus e que ignore
tranquilamente os pobres, os deserdados, os que sofrem. Esta denúncia não tem
nada de ideológico ou de luta de classes, mas alicerça-se na própria
compreensão de Deus. Desde sempre Deus se apresenta como o defensor dos que
sofrem: pede contas do sangue do irmão derramado por Caim; ouve o grito do povo
escravo no Egito, conhece a sua dor e vem libertá-lo; faz-se protetor do órfão
e defensor da viúva; humilha os poderosos e exalta os pequenos e envia o seu
filho para anunciar a Boa Nova aos pobres. Que aqueles que dizem crentes e,
mais ainda, servidores privilegiados da sua presença, como este sacerdotes e este
levita, esqueçam esta dimensão fundamental da fé, é algo que contrasta
abertamente com o coração de Deus.
Mas esta não
é apenas uma crítica do passado. É importante, a esta luz,
descortinar, em nós e à nossa volta, inclusivamente na nossa Igreja, este tipo
de comportamento de indiferença e de fechamento nos nossos interesses,
problemas e programas, sem abertura àqueles que ficam à beira da estrada. De
algum modo, todos podemos encarnar, por vezes, a figura desses sacerdotes de
uma espiritualidade desencarnada e preocupada com os ritos, as vestes, o decoro
dos cargos que se exercem, mas vazia de vida e de amor; dos gurus de uma
economia do lucro, do descarte e da indiferença, perante as vítimas que ela
própria provoca e abandona pelo caminho; dos profetas do medo que cerra as
fronteiras às vítimas indefesas das guerras e do terrorismo; dos arautos da
propaganda de um comodismo que passa do outro lado dos problemas, para não ter
que pensar, implicar-se e comprometer-se... O elenco seria longo para mencionar
tantas formas espontaneamente comodistas ou astutamente orquestradas, que
deixam sempre à beira da estrada os mais débeis e feridos.
A
reação do terceiro passante contrasta, de modo gritante, com a atitude
destes líderes. Este era um samaritano, o que o colocava, desde logo, em
posição de afastamento social e religioso, em relação à mentalidade vigente em
Israel. Além disso, "estava de viagem",
o que significa que não era dali. Era, pois, segundo os critérios da
conveniência e do senso comum, o menos indicado para se ocupar do homem caído à
beira da estrada, numa terra estrangeira e não particularmente amigável. Mas
ele não se deteve em considerações. A sequência dos verbos descreve realmente o
que significa a solidariedade: viu… sentiu compaixão…
aproximou-se… enfaixou-lhe as feridas, aplicando azeite e vinho… colocou-o
sobre a sua montada… levou-o à estalagem… cuidou dele, pagou as despesas e assegurou a continuação dos
tratamentos até ao seu restabelecimento.
Tudo, nesta
descrição, fala de uma atitude nova, ativa, comprometida, libertadora,
luminosa, reconfortante. Decisivos são os primeiros verbos: "vendo-o, encheu-se de compaixão, aproximou-se…".
Que contraste com o "vendo-o, passou do outro
lado", dos dois personagens anteriores! Este "ver" não descreve um simples fenómeno
óptico, mas uma atitude de atenção de interesse, de empatia, que é continuada
por um profundo estado de alma, a "com-paixão",
(sentir a paixão/dor com o outro) ou misericórdia
(um coração para o mísero). Estes não são sentimentos que geram apenas emoções
de comiseração piedosa e simpatia distante. São atitudes profundas, que se
traduzem em movimento "aproximou-se" e
em ações concretas de afeto, cuidado eficaz, misericórdia ativa.
Se é
verdade que encontramos tantos sacerdotes da indiferença, do egoísmo e da
manipulação, é reconfortante e gerador de esperança verificar quantos
samaritanos cada um de nós encontrou ao longo da vida que, livremente
e com generosidade, nos estenderam a mão da amizade, do apoio, da ajuda.
Quantos conhecemos que se colocam voluntariamente ao serviço dos mais
necessitados: os que cuidam daqueles que não se bastam a si mesmos, nas
próprias casas, hospitais, casas da terceira idade; os que auxiliam os
desempregados e os que não dispõem dos meios de subsistência; os que estendem a
mão amiga aos que erraram e acabaram na prisão ou aos que procuram libertar-se
das cadeias do álcool e da droga; os missionários/as, consagrados e leigos, que
deixam a proximidade geográfica e cultural, para atender às periferias, levando
a Boa Nova aos pobres; os que cuidam dos refugiados, tantas vezes com risco da
própria vida… São um grande exército de samaritanos, arautos de esperança,
construtores do futuro da humanidade.
No dia em
que concluímos a semana da CARITAS, é grato chamar a atenção para esta e tantas
outras instituições samaritanas da nossa sociedade e da nossa Igreja, como os
centros paroquiais, as obras de institutos religiosos e organizações sociais,
de caráter religioso ou civil. É grato constatar este exército de boa vontade,
constituído por pessoas de todas as condições sociais, que colocam o próprio
tempo, capacidades e saber ao serviço daqueles que precisam. Bem hajam! São o
que de mais nobre tem a nossa sociedade, uma reserva de esperança para o
futuro.
4. Vai e faz tu também o mesmo
Voltando
à parábola: Depois da comparação dos dois comportamentos, a pergunta
de Jesus retoma ainda o estilo pessoal e concreto, sem entrar em discussões
inúteis: "Qual destes três te parece ter sido o
próximo daquele homem que caiu nas mãos dos salteadores?" A
resposta do mestre da lei também é evidente apontando a atitude do samaritano
como aquele que tinha entendido o que quer dizer ser "próximo". Do
seu lado, Jesus conclui não com um princípio dogmático, mas com um desafio à
ação: "Vai e faz tu também o mesmo".
Na
realidade, Jesus inverte a perspetiva do doutor a partir da lógica da
parábola. Ele tinha começado por perguntar "Quem
é o meu próximo?" Agora, Jesus faz-lhe compreender que o importante
é decidir de quem nos tornamos próximos: "qual dos
três foi o próximo daquele homem?". A proximidade da solidariedade
não é dada, não é estática, nem definida por decreto, pelo bilhete de
identidade, pela inscrição na Igreja, ou pelo GPS. A proximidade solidária é
uma atitude dinâmica de sair de si e de ir ao encontro dos outros, guiados pela
bússola da solidariedade com quem precisa.
E, também
este não um princípio teórico, mas um convite à ação. O "Vai e faz o mesmo" dirige-se ao escriba,
mas igualmente a todos os ouvintes e leitores da parábola. Há que decidir muito
simplesmente que atitude assumir. Uma hipótese é passar indiferente pela
estrada da vida ou fechar-se comodamente na própria realidade, evitando encarar
a realidade dura e cruel de tanta gente que vai ficando à margem do caminho.
Outra é não fazer desvios nem fechar as portas, mas abrir-se, aproximar-se,
envolver-se, sem "mas", nem "porquês" que não sejam a dor
dos outros.
A
indicação de Jesus é clara: os que escutam a sua voz e seguem os seus
passos são gente que não se abstém, não se fecha, não se poupa. É gente que
sente como seus os problemas do mundo, próximos ou distantes. É gente que vive apaixonadamente
os dramas dos mais pequenos, sente as feridas dos que sofrem violência e
injustiça e se decide a colocar-se solidariamente ao seu lado, para construir
um mundo melhor para todos.
5. Uma revolução do pensamento e da ação
Para
concluir, gostaria de mencionar apenas alguns traços da revolução evangélica
que esta parábola propõe, a exemplo da vida do Senhor Jesus. O texto não o diz,
mas, na tradição da Igreja, ninguém encarnou a figura do samaritano como o
próprio Jesus, Samaritano misericordioso da humanidade. Ele
veio de fora para o nosso mundo e fez-se próximo, um de nós, ao nosso lado.
Partilhou as nossas dores e fraquezas, "pagou" a conta da nossa cura,
a preço da própria vida, colocou-nos na estalagem e recomendou aos irmãos se
ocupem a sarar as feridas uns dos outros, pois também a eles pagará por isso…
assegurou-se que ficássemos verdadeiramente curados e com acesso à vida que não
acaba. Essa era a preocupação individual do doutor da lei, que agora tem uma
resposta na pessoa de Jesus e passa através de uma comunidade. Quando diz "Faz tu também o mesmo!", Jesus apresenta-se,
ele próprio, como modelo de ação, especialmente para a sua comunidade. As
questões do pão, da dor, da justiça, do amor… da salvação nunca são
simplesmente individuais. Em tudo isto, ou encontramos caminho juntos ou
ficamos fechados em becos sem saída.
A esta luz,
o primeira atitude indicada pela parábola soa como um apelo a despertar.
Não podemos fingir que não vemos ou que não sabemos. Não se pode ficar
indiferente. Um discípulo de Jesus Cristo não pode assistir impávido ao
espetáculo de miséria, de injustiça, de degradação humana. Foi para se tornar
próximo dessas pessoas que Ele veio ao mundo e espera que nós continuemos essa
presença de proximidade solidária.
O
cristão não pode deixar de ser um samaritano da compaixão, da ternura,
da misericórdia. Não é possível ser amigo de Deus sem ser solidário com o homem
ferido e abandonado. Os dramas dos homens, de perto ou de longe, são assuntos
nossos, individualmente, como comunidade paroquial e diocesana, como Igreja. A
adesão ao Evangelho torna-nos ativos na busca da justiça, da dignidade e da
esperança. A salvação, a herança da Vida eterna, que buscava o doutor da lei,
não se limita a este mundo, mesmo que ele fosse o mais justo, o mais solidário,
o mais harmónico. Aquilo que Deus quer oferecer-nos é bem mais do que isso, é a
participação na plenitude da sua vida e da sua felicidade. Mas, por outro lado,
essa felicidade e esse projeto de Deus que se expandem até à eternidade, começam
aqui e devem ser construídos com a participação de todos. Fizemos a experiência
do amor de Deus, da sua grandiosa generosidade e bondade, da sua misericórdia
para com a nossa fragilidade e o nosso pecado. Por isso aprendemos também nós a
linguagem e os gestos da misericórdia.
Em
Jesus Cristo, descobrimos o verdadeiro Samaritano da humanidade. Ele é
esse viajante que veio de longe, mas que se tornou próximo da humanidade ferida
e incapaz de vida. Ele carregou-nos misericordiosamente às costas e ensinou-nos
o valor da solidariedade até ao dom da vida. Com Ele e na força do seu
Espírito, aprendemos o que quer dizer fraternidade e empenhamo-nos, ao lado dos
feridos, excluídos e esquecidos, na construção de um mundo mais justo e
solidário.
Acolhemos a
mensagem universal do samaritano que deita por terra preconceitos
étnicos, nacionais, culturais ou religiosos. Quando se trata do sofrimento, de
justiça e de dignidade, não fazemos distinções que dividem, mas sentimos o
apelo do irmão ou irmã que sofrem e cujo grito chega aos ouvidos e ao coração
de Deus. Sem renunciar à nossa fé, sentimo-nos igualmente unidos e colaboramos,
com gosto, com quantos sentem o apelo da solidariedade e da misericórdia, mesmo
que tenham outro modo de pensar, pois sabemos que, apenas em conjunto podemos
construir um mundo mais justo, humano e solidário, a casa comum da humanidade.
É com estes
sentimentos que vos convido a fazer uns momentos de silêncio, de modo que
deixemos penetrar bem fundo no nosso coração e levemos para a nossa vida o
desafio que o Senhor hoje nos faz:
Vai e faz tu também o mesmo!
Catequeses Quaresmais verdadeiras
Escolas de Fé!
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